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INVESTIGAÇÃO

Caso Ruy Ferraz: Como o Zangi expôs Jota, alvo ligado à execução do ex-delegado que a polícia caça

Ruy Ferraz Fontes foi executado com 12 tiros de fuzil 15 dias antes, em 15 de setembro de 2025, em Praia Grande, litoral de São Paulo

Publicado: 15/12/2025 às 17:37

Ruy Ferraz Fontes/Divulgação/Polícia Civil

Ruy Ferraz Fontes (Divulgação/Polícia Civil)

Do Portal iG

Ele se chama Jota. Ou pelo menos era assim que Umberto Alberto Gomes, de 39 anos e conhecido como Playboy, o chamava nos arquivos recuperados do Zangi, o aplicativo que promete ser um escudo digital perfeito, com mensagens de voz e texto criptografadas (cifradas em códigos que apenas quem tem a chave consegue decifrar) que desaparecem em segundos, nomes codificados e identidades fantasmas.

Mas quando a polícia conseguiu acessar os dois celulares de Umberto, apreendidos após sua morte em confronto com a polícia no Paraná em 30 de setembro de 2025, o Zangi virou testemunha involuntária de uma trama mortal: a execução de um dos maiores inimigos da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). É o que revela reportagem do portal iG.

Ruy Ferraz Fontes foi executado com 12 tiros de fuzil 15 dias antes, em 15 de setembro de 2025, em Praia Grande, litoral de São Paulo. Ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Fontes era Secretário de Governo do município no litoral paulista e um dos maiores especialistas do Brasil no combate ao PCC .

Os médicos legistas recuperaram doze projéteis no corpo de Fontes. A distribuição dos disparos revelou a brutalidade do atentado: sete projéteis penetraram nas costas e no lado esquerdo do ex-delegado, um atingiu o abdome, um o antebraço direito, dois alcançaram o peito, e um foi encontrado nas suas roupas.

Os danos internos foram devastadores. Os projéteis destruíram ambos os pulmões, danificaram os dois rins, perfuraram o intestino e, de forma fatal, atingiram a aorta torácica, a principal artéria que distribui sangue do coração para todo o corpo. O resultado foi uma hemorragia interna forte e praticamente instantânea.

Os arquivos do aplicativo de mensagens Zangi recuperados nos celulares de Umberto revelaram conversas sobre o assassinato. Revelaram nomes. Revelaram estratégias de encobrimento. Revelaram a paranoia para fugir da responsabilização pela morte de Fontes. Mas ainda não revelaram quem é Jota de verdade.

Meses depois, com uma rede inteira de participantes identificada e denunciada à Justiça pelo crime, persiste nos corredores da polícia, da promotoria e da Justiça uma pergunta que desafia as investigações: qual é a verdadeira importância de um homem que, mesmo quando a tecnologia do Zangi o traiu, permanece invisível?

Existem aplicativos que prometem segurança. Existem aplicativos que prometem privacidade. Mas o Zangi promete algo maior: impunidade. Não explicitamente. A linguagem da publicidade é sempre cuidadosa, mas implicitamente, em cada linha do seu marketing, é direcionado a usuários que têm algo a esconder. Mensagens que desaparecem. Criptografia que não pode ser quebrada. Identidades que não podem ser rastreadas. A possibilidade de um espaço onde a comunicação criminosa pode acontecer sem deixar rastro.

Zangi: o comunicador do crime

Para entender porque o Zangi se tornou evidência tão crucial na execução de Fontes, e porque Jota permanece em condição fantasmagórica, é necessário compreender o que o aplicativo promete. Desenvolvido tanto em Android quanto iOS, o Zangi se posiciona como refúgio digital absoluto para quem deseja desaparecer. A promessa é simples: "Seja privado. Anônimo. Sem vestígios. Rápido."

O aplicativo surgiu no mercado internacional como resposta à vigilância estatal crescente. Sua arquitetura é sofisticada: funciona em um sistema de criptografia end-to-end (ponta a ponta) que converte cada mensagem em código ilegível para qualquer pessoa que não tenha a chave de desencriptação específica. End-to-end refere-se a um modelo de proteção digital em que as mensagens são criptografadas apenas nos dispositivos dos usuários, especificamente, no celular ou computador de quem envia e no dispositivo de quem recebe. Ninguém entre essas duas "pontas" consegue ler a mensagem, nem mesmo os servidores da empresa que opera o aplicativo.

Nem mesmo os servidores do Zangi conseguem ler o conteúdo das mensagens, ou assim promovem. Mais: toda comunicação é armazenada apenas no dispositivo do usuário. Nada permanece "na nuvem" como prova potencial. E quando o usuário deleta uma mensagem, ela desaparece permanentemente, teoricamente irrecuperável.

Adicione a isso a autodestruição automática de mensagens após tempo determinado: segundos, minutos, horas, à escolha do usuário. E você tem um aplicativo que parece oferecer uma solução perfeita para criminosos. Não é rastreável por número de telefone. Não deixa rastros em servidores. Não mantém histórico que possa ser recuperado por autoridades. É, nos termos do marketing digital, uma "fortaleza impenetrável". A realidade, porém, era mais complexa .

Cellebrite: arma para quebrar o Zangi

Se o Zangi é a promessa, o Cellebrite é a realidade. Não se fez usual com anúncios ou campanhas de marketing. O Cellebrite é ferramenta de trabalho muito usada em investigações: é a chave mestra digital que autoridades policiais utilizam há mais de uma década para extrair informações de dispositivos móveis quando a criptografia e os softwares de proteção fracassam.

A Polícia Civil de São Paulo, por meio da Divisão de Investigações sobre Crimes Contra o Patrimônio (DISCCPAT/DEIC), possui treinamento especializado em análise forense de dispositivos eletrônicos. Quando os dois celulares de Umberto Alberto Gomes foram apreendidos no Paraná em 30 de setembro de 2025, eles foram encaminhados para análise por peritos especialistas em Cellebrite. O processo não foi rápido, mas foi minucioso. Cada arquivo, cada fragmento de dado foi mapeado, catalogado e interpretado pelos investigadores.

Aqui está o ponto crítico que criminosos e desenvolvedores de aplicativos frequentemente subestimam: criptografia protege dados em movimento. Criptografia protege dados em repouso no servidor. Mas criptografia não protege dados em um dispositivo que está fisicamente nas mãos da polícia e que está ligado.

Quando um telefone está desbloqueado ou quando a polícia consegue desbloqueá-lo através de métodos forenses, o Cellebrite acessa o sistema de arquivos em nível profundo. Não como um usuário normal que abre o aplicativo e vê apenas o que o aplicativo quer mostrar. O Cellebrite acessa o aparelho como administrador do sistema operacional, vendo absolutamente tudo: memória RAM, partições ocultas, caches, logs de sistema, fragmentos de arquivos deletados.

E aqui está o segredo que o Zangi não conseguiu esconder: quando um aplicativo deleta uma mensagem, ele não a apaga verdadeiramente do dispositivo. Marca-a como deletada. Remove a referência do índice de arquivos. Mas os dados brutos, os bits e bytes que compõem a mensagem, ficam armazenados no telefone até que um novo dado seja gravado por cima deles. Algo como palavras apagadas de um quadro branco que deixam marcas ; tinta em papel que desaparece visualmente, mas deixa marca permanente.

As 247 mensagens

Nos dois celulares de Umberto, o Cellebrite identificou 247 mensagens deletadas via Zangi. Duzentas e quarenta e sete conversas que Umberto acreditava ter apagado permanentemente, cada uma marcada internamente para autodestruição, cada uma teoricamente irrecuperável.

Mas lá estavam elas. Fragmentadas em alguns casos, completas em outros. Armazenadas em setores que o Zangi nunca havia sobrescrito porque o telefone de Umberto nunca havia chegado a esse ponto de saturação de memória. Cada mensagem foi recuperada e restaurada, não como cópia legível no aplicativo Zangi, mas como arquivo de texto puro que qualquer pessoa poderia ler.

As conversas revelavam um padrão sistemático de comunicação entre Umberto e intermediários envolvidos na morte de Fontes. Umberto nunca falava diretamente com Jota . Nunca. Mas constantemente mencionava Jota em contextos que revelavam autoridade absoluta. "Vou falar com Jota", escrevia Umberto. "Jota quer saber", dizia em outra mensagem. "Jota não aprova", em terceira. O padrão era consistente: Jota decidia, Umberto transmitia, os outros executavam.

As mensagens recuperadas também revelaram uma paranoia operacional. Umberto expressou preocupação constante com a investigação policial. Mencionou "trabalhos papiloscópicos" (análise de impressões digitais). Discutiu a "limpeza do carro branco" (queima do Renault Logan usado na ação). Registrou a ansiedade sobre "localização de câmeras" (evidência visual que poderia identificá-lo).

Mas a recuperação das 247 mensagens nos dois telefones celulares de Umberto foi apenas a primeira camada da análise forense que ajudou a polícia a chegar nos executores de Fontes .

O rastreamento digital da investigação

Enquanto o Cellebrite recuperava as 247 mensagens apagadas, seus algoritmos também catalogavam metadados, as informações sobre as informações. Para cada mensagem no Zangi, havia um registro preciso do horário de envio. Havia informação sobre qual rede de dados havia sido utilizada (conexão sem fio ou dados móveis) por Umberto para envia-las. Havia o endereço identificador do dispositivo no momento da transmissão.

Estes metadados, combinados com análise de Estações Rádio Base (ERBs, as torres de celular que transmitem sinal), permitiram à polícia mapear fisicamente onde Umberto estava em momentos críticos da investigação. Não era localização aproximada. Era rastreamento triangulado através de múltiplas torres, permitindo i dentificar Umberto em endereços específicos em momentos específicos .

Em 14 de setembro de 2025, um dia antes da morte de Fontes, o Cellebrite identificou que Umberto estava em imóvel alugado em Mongaguá (SP), mesmo imóvel que havia sido locado por Luiz Antônio Rodrigues de Miranda, o Gão, o facilitador logístico da execução do ex-delegegado-geral. Nos dois dias anteriores à execução, os celulares de Umberto registraram presença em vários lugares: Mongaguá e Praia Grande . Cada localização estava associada a base operacional da rede criminosa que matou Fontes.

Após a morte de Fontes, entre 15 e 30 de setembro, os metadados mostraram um movimento frenético . Umberto se deslocou frequentemente. Suas transmissões de dados ocorreram em diferentes cidades. Havia padrão de fuga: cada localidade era mais distante da cena do crime, movimento progressivo em direção ao Paraná, onde finalmente foi interceptado pela polícia.

As conexões com os executores

O Cellebrite extraiu o histórico completo de contatos armazenado nos telefones de Umberto. Não apenas os nomes, mas números de telefone, registros de chamadas, frequência de contato, duração de conversas. Um pente-fino revelador.

Na lista de contatos de Umberto estava Pan, salvo nos contatos como Penélope Charmosa, número de telefone (55 11) 9XXXX-XXXX. Conversas com Pan ocorriam frequentemente via Zangi, sempre sobre encobrimento, sempre sobre risco de descoberta, sempre sob pseudônimos diferentes. O Cellebrite conectou esse número a um outro aparelho, e através de registros de operadora, os investigadores conseguiram identificar a pessoa física associada ao chip.

Ali estava Cara de Pedra, referências ocasionais em mensagens, mas sem número de telefone direto salvo. Porém, análise de frequência de comunicação e contexto de conversas permitiu à polícia cruzar dados com histórico de outras operações criminosas e identificar provável identidade de Cara de Pedra .

Ali estava Fiel, com o número (55 11) 9XXXX-XXXX, o mesmo chip utilizado por Pan/Penlope Charmosa. Ou seja: Pan e Fiel eram mesma pessoa usando diferentes pseudônimos em diferentes contextos. Tudo dentro do Zangi.

Mas ali não estava Jota. Nenhum número de telefone. Nenhum contato salvo. Nenhuma chamada registrada. Jota era mencionado em conversas: "vou falar com Jota", "Jota quer saber". Mas nunca como origem ou destino de comunicação direta.

A implicação é cristalina: Jota utilizou outro dispositivo . Ou múltiplos dispositivos descartáveis. Ou se comunicou exclusivamente por meio de intermediários que, por sua vez, falaram com Jota por meio de canais que o Cellebrite não conseguiu recuperar. Jota era cuidadoso demais para deixar rastro no telefone de Umberto.

O banco de dados da célula executora

O Cellebrite compilou tudo, mensagens, metadados, localizações, histórico de contatos, em um banco de dados forense que a polícia utilizou como mapa do crime. Cada pessoa mencionada podia ser conectada a localizações específicas, horários específicos, ações específicas.

Felipe Avelino da Silva, o Masquerano, aparece em mensagens com contexto de ligação com a execução de Fontes. Flávio Henrique de Souza foi era mencionado frequentemente perto de datas críticas. Luiz Antônio Rodrigues de Miranda, o Gão, tinha registros de localização em todos os imóveis operacionais da quadrilha. Cristiano Alves Costa, o Cris Brown, foi mencionado em contexto de "segurança de base".

Todos podiam ser identificados. Todos deixaram rastro. Todos cometeram o erro de confiar no Zangi quando o erro real foi confiar em um dispositivo de comunicação que poderia ser capturado e periciado pelos investigadores.

Mas e Jota? Jota não aparece em nenhuma localização. Jota não recebeu chamadas registradas. Jota não enviou mensagens que deixassem rastro no banco de dados forense. Jota era referência constante, mas presença zero. Era a voz de comando sem corpo, decisão sem assinatura, poder sem evidência.

Estrutura da execução

Isso revelou uma compreensão sofisticada de segurança operacional. Jota não é um criminoso impulsivo que comete erros. Jota é a estrutura de comando que havia aprendido, ao longo dos anos, como permanecer invisível. Enquanto Umberto se permitia manter registro de suas conversas com Jota (mesmo em aplicativo que prometia apagar), Jota era meticuloso em não deixar nenhuma evidência de sua própria existência.

Outros nomes da rede de execução de Fontes: Pan, Cara de Pedra, Saladino, Velhote, Fiel, todos foram eventualmente conectados a identidades reais através de análise forense. Mas Jota permanece como entidade que existe apenas nas palavras de outros .

O Cellebrite quebrou as barreiras digitais do Zangi e acessou a fortaleza digital. Transformou as promessas de impunidade em evidência de culpa. Mas encontrou um inimigo que ainda não conseguiu derrotar: alguém com compreensão suficiente de segurança digital para nunca deixar um dispositivo conectado à própria identidade nas mãos da polícia.

A ironia final é que, quanto mais sofisticada era a proteção de Jota, mais óbvio ficava que Jota não é um executor casual . Jota é a estrutura. Jota é a mente criminosa que estudou segurança operacional, que treinou seus subordinados, que ergueu uma rede especificamente para proteger sua própria invisibilidade.

Enquanto o Cellebrite finalizava a análise de 247 mensagens deletadas dos dois celulares de Umberto, enquanto os metadados revelavam os movimentos de cada criminoso, enquanto o histórico de contatos identificava a rede completa, a pergunta que ganhava força era: onde está o dispositivo de comunicação de Jota? Mesmo que Jota tenha tanta sofisticação, tem que ter deixado algum rastro em algum lugar. Tem que existir, em alguma localização, um telefone que seja seu. Um aparelho que contenha suas ordens, suas conversas, suas decisões.

Mas ninguém encontrou esses rastros digitais . E isso, por paradoxo completo, é exatamente o que torna Jota tão importante para investigação . Afinal, quem consegue desaparecer assim? Quem tem a disciplina, o conhecimento técnico, a autoridade dentro da hierarquia criminosa para estar acima de todos e ainda assim deixar zero evidência pessoal?

A resposta tem que estar em algum lugar. E a polícia está procurando.

O fantasma

Quem é Jota? A pergunta persiste não porque Jota seja um mistério sem solução, mas porque Jota é um vazio estratégico . Uma ausência proposital que se revela mais incriminadora que qualquer presença poderia ser. Cada investigador que vasculhou os arquivos do Cellebrite, aqueles 247 fragmentos de mensagens deletadas recuperadas dos dois celulares de Umberto, chegou à mesma conclusão desconfortável: quanto mais dados eram recuperados, mais evidente ficava a sofisticação de quem havia conseguido não deixar rastro algum.

Jota não tinha número de telefone registrado no aparelho de Umberto. Não tinha contato salvo. Não tinha mensagem direta. Isso, paradoxalmente, era o dado mais revelador de todos. Porque em uma rede criminosa, particularmente na estrutura do PCC que funciona através de hierarquia rigorosa, aquele que está no topo nunca se comunica diretamente com executores. Aquele que está no topo fala com intermediários. Intermediários falam com facilitadores. Facilitadores falam com executores. E cada camada dessa pirâmide conhece apenas o nível imediatamente acima e abaixo. Nunca o topo.

Umberto era intermediário. Não era executor. Não era facilitador. Umberto ocupava posição específica: receptor de ordens de Jota, transmissor de ordens para executores. Sua função era filtro.

As mensagens recuperadas mostram isso claramente. Quando Umberto dizia "Jota quer saber", ele não estava negociando. Ele estava transmitindo. "Jota não aprova" não significava que Jota havia analisado situação e chegado à conclusão, significava ordem vinda de cima. A palavra "paranoia" que Umberto frequentemente utilizava em suas mensagens (paranoia para fugir da responsabilização) era na verdade descrição de instruções que vinha de Jota : cuidado obsessivo, precaução extrema, planejamento que antecipava não apenas a ação policial, mas também não deixar rastros para possíveis análises forenses. Isso sugere alguém familiarizado com procedimentos policiais. Alguém que enfrentou investigações antes. Alguém que sabe precisamente o que deixar de vestígios e o que não deixar.

Fios da investigação a serem puxados

Embora Jota não tivesse dispositivo conectado aos aparelhos de Umberto, havia indicadores indiretos de quem poderia ser. A análise de frequência de comunicação, com que rapidez Jota responderia a perguntas, em que horários operava, qual era padrão de disponibilidade, sugere alguém que opera em tempo integral. Não um criminoso ocasional que balanceava atividade lícita e ilícita. Alguém cuja vida é completamente dedicada a estrutura criminosa.

O conhecimento técnico evidenciado em mensagens sugere educação formal. Não é um criminoso que aprendeu segurança digital pela experiência da rua. É alguém que compreende criptografia, que entende a diferença entre deletar arquivo e sobrescrever dado, que sabe exatamente porque o Cellebrite é uma ameaça se o dispositivo de comunicação fosse capturado pelos investigadores.

Mais revelador ainda, com base na investigação: a estrutura de rede reportada a Jota inclui pessoas com expertise muito específicas. Facilitadores logísticos como Gão (Luiz Antônio Rodrigues de Miranda) que conheciam rotina de transporte e segurança. Proprietários de imóvel como Cris Brown (Cristiano Alves Costa) que ofereciam bases operacionais. Executores como Felipe Avelino e Flávio Henrique que realizaram ação. Isso não é uma rede improvisada. É estrutura. E Jota é o misterioso estruturador dessa arquitetura criminosa .

Brechas propositais

Os investigadores também notaram lacunas propositais nas mensagens recuperadas. Havia momentos em que Umberto se referia a "conversa que tive com Jota", mas essa conversa nunca aparecia nos registros. Havia ocasiões em que Umberto dizia "Jota quer falar diretamente", mas não tinha registro de chamada no celular. Isso sugere comunicação através de canal completamente diferente. Possivelmente computador. Possivelmente encontro presencial. Possivelmente software diferente em dispositivo diferente que era totalmente separado do ecossistema digital de Umberto.

A sofisticação dessa separação é notável. Enquanto Umberto se comunicava com várias pessoas via Zangi, mantinha histórico no dispositivo, deixava metadados permanentes, Jota operava em um vácuo completo . Nunca na simultaneidade. Como se Jota não existisse no mesmo universo digital que Umberto.

Isso levanta uma questão intrigante: Jota tinha dispositivo móvel com Zangi como os outros? Ou Jota opera exclusivamente pelo computador, ou com comunicação presencial, e canais que não deixam rastro eletrônico? Se tem Zangi, o dispositivo pode nunca ser capturado, e isso significa que Jota tem um nível de precaução que Umberto não alcançou. Se não tem, significa que Jota é a parte da hierarquia que avançou para além de dependência de tecnologia, que confia em intermediários e em comunicação que não deixa arquivo digital algum.

Ordens seguidas à risca

O perfil que aparece é enigmático. Jota é importante o suficiente para que toda rede responda a suas ordens. Mas é invisível o suficiente para não deixar evidência pessoal. Jota é sofisticado o suficiente para estruturar operação que matou o ex-delegado-geral Fontes. Mas discreto o suficiente para que após meses de investigação e de análises forenses, após a recuperação de 247 mensagens deletadas, após a triangulação de centenas de localidades, a polícia ainda não tenha identificado seu nome verdadeiro .

Cada resposta levanta uma nova pergunta. Se Jota é tão sofisticado em segurança digital, por que confiava em Umberto que era tão negligente? Se Jota é tão cuidadoso, como permanecer completamente invisível em rede que incluía tantos suspeitos identificados? Se Jota é tão importante, por que não existem gravações com a voz dele, não existe resultado para a busca textual do nome verdadeiro dele em nenhum arquivo?

A resposta pode ser simples: Jota pode ser o pseudônimo de alguém que já estava sob vigilância policial. O nome de código para uma pessoa que a polícia tentou investigar antes, mas que haviam protegido. Ou a resposta pode ser mais complexa: Jota não é uma pessoa, mas uma posição. O papel que múltiplas pessoas ocupam em diferentes momentos. Uma função de comando exercida rotativamente para evitar que qualquer indivíduo fique identificável.

Importância estratégica

O que fica claro é que identificação de Jota é uma questão de importância estratégica para ir além do caso da execução de Fontes. Porque Jota não é um mero criminoso. Jota é alguém cuja sofisticação, acesso e autoridade sugere posição chave em uma hierarquia criminosa muito maior do que investigação revelou.

Os investigadores sabem disso. A Promotoria sabe. A Justiça sabe. Mas não há evidência que conecte um nome real ao pseudônimo Jota . Não existe um dispositivo de comunicação que pertença a Jota. Não há localização consistentemente associada a Jota. O que se tem é uma ausência.

A morte de Fontes completa três meses nesta segunda-feira (15), e a pergunta segue sem resposta: quem é o homem que planejou a execução do ex-delegado-geral, mas não deixou rastro? Quem é o comandante que ordenou morte de um dos maiores especialistas no combate ao PCC, mas permanece invisível até para o Cellebrite? Quem é Jota?

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