Suspense 'Papagaios' investiga o anseio doentio de ser notado
Lançado no 53º Festival de Cinema de Gramado, 'Papagaios', com Gero Camilo, Ruan Aguiar e Leo Jaime no elenco, é uma das boas revelações da competição de longas
Publicado: 20/08/2025 às 11:00

Ruan Aguiar e Gero Camilo protagonizam thriller sobre papagaios-de-pirata (Divulgação)
Uma peculiar relação de mestre e pupilo deixou o público do 53º Festival de Gramado em constante estado de curiosidade, estranhamento e, ao fim, espanto. Tunico (vivido por Gero Camilo) é um papagaio-de-pirata no sentido mais literal possível: um homem que dedica sua vida a catar aparições breves na TV e nos jornais, seja em eventos festivos, noticiosamente banais ou trágicos. Já Beto (Ruan Aguiar, uma revelação e tanto) é um rapaz misterioso de olhar penetrante que, desde o princípio, já se nota ser envolvido com coisas perigosas.
Dirigido pelo estreante em longa-metragem Douglas Soares, Papagaios parece uma comédia satírica e formalmente austera durante boa parte de sua duração, mas, gradualmente, revela suas intenções perversas de um suspense em que pouco é mostrado ou explicado, mas muito é intuído. Esses dois personagens totalmente distintos vão cruzar o caminho um do outro, entrando nas mais inusitadas situações, sendo a central delas o enterro de um relativo do cantor Leo Jaime (interpretado no filme por ele mesmo).
Ambientado na periferia do Rio de Janeiro, Papagaios tem na presença de Gero Camilo um natural timing para o humor, mas o magnetismo da presença de Ruan Aguiar, cuja psicopatia vai ficando mais latente a cada cena, parece intensificar o sendo de gravidade da trama. Mesmo visualmente, o projeto fica visualmente mais estilizado na parte voltada ao thriller, culminando em uma sequência climática bem mais sofisticada do que parece.
O roteiro, também escrito por Douglas Soares, deliberadamente evita qualquer aprofundamento na história pregressa do seu protagonista, concentrando mais exposições na figura extrovertida de Tunico, que, afinal, é aquele que tem a necessidade patológica de aparecer e ser lembrado. As vontades do pupilo Beto, no entanto, são bastante intangíveis no que diz respeito à ideia de ser papagaio-de-pirata e à própria relação com o mentor — suas intenções deixam algumas respostas e várias perguntas no ar.
Papagaios flerta constantemente com o homoerotismo mais como ferramenta de tensão do que propriamente para construir sexualidade na tela. Assim como a violência é quase sempre sugerida, o sexo aqui também se comporta dentro de uma noção de ambiguidade contida na figura de Ruan Aguiar, que defendeu a construção do personagem muito bem na coletiva de imprensa após a exibição do filme no festival.
O diretor conversou com o Viver com exclusividade sobre as referências cinematográficas que traz para seu primeiro longa. "Filmes como O Rei da Comédia e Táxi Driver estão entre as minhas principais inspirações aqui, além, é claro, do grande clássico A Malvada. Mas tudo isso, na verdade, foi uma forma de construir um suspense que eu considerasse realmente brasileiro, ou seja, margeado de outras coisas, como a comédia, por exemplo", explica.
Ainda no bate-papo, Douglas Soares destaca ainda o talento dos seus dois atores, em particular a potência e dedicação do seu protagonista, que, espera-se, deve ganhar uma atenção especial após seu trabalho em Papagaios.
"Sou apaixonado pelo trabalho do Gero e, quando ele embarcou no projeto, foi também ficando na minha imaginação para a escrita. Ele sempre foi o Tunico. Já o Ruan Aguiar eu conheci trabalhando na televisão e ele é um ator muito comunicativo, como dá para ver em Fuzuê", revela o cineasta. "Foi, porém, nos momentos de silêncio que eu pude observar a força que ele tem no olhar. Comunica-se de outras formas no cinema, em que a imagem é tão soberana. E ele foi essencial para isso", completa.
Papagaios é, até aqui, certamente o mais interessante da competição do Festival de Gramado tanto por aquilo que frustra quanto pelo que intriga.

