O luto não tem idade em 'A Natureza das Coisas Invisíveis', exibido em Gramado
Longa de estreia de Rafaela Camelo, o singelo 'A Natureza das Coisas Invisíveis' foi um dos destaques da competição de longas brasileiros do 53º Festival de Cinema de Gramado
Publicado: 23/08/2025 às 07:00

(Divulgação )
Uma característica que atravessou quase todos os longas da competição do 53º Festival de Cinema de Gramado foi o tema da mortalidade — seja a partir do absurdismo teatral sobre recomeços em Querido Mundo, de Miguel Falabella, do suspense sobre ser lembrado após a morte em Papagaios e da luta para fugir da dor e fazer eutanásia em Sonhar com Leões. Bem mais singelo e não menos interessante, porém, é A Natureza das Coisas Invisíveis, que busca uma dimensão complexa do luto a partir do ponto de vista infantil e da lógica espiritual.
Na trama desta notável estreia em longa-metragem de Rafaela Camelo uma amizade entre duas meninas de dez anos nasce em um cenário improvável. Glória (Laura Brandão) passa um bom tempo no trabalho da sua mãe (Larissa Mauro), enfermeira de hospital, onde acaba conhecendo Sofia (Serena), cuja bisavó está cada vez pior de saúde e a mãe (Camila Márdila) mais exausta com a situação. No momento em que as duas mães também passam a desenvolver uma conexão, as salas e quartos fechados dão lugar a um cenário ruralista.
De início, parece que o roteiro, também escrito por Rafaela Camelo, será narrado apenas pelo olhar das crianças, mas, à medida que a trama avança, as dores adultas passam a dividir o protagonismo. O efeito enfraquece a espinha dorsal do filme, que se torna dramaticamente um pouco flutuante e disperso. A beleza da direção de atores, que esbanjam naturalidade com texto, é o que mantém A Natureza das Coisas Invisíveis sempre nos trilhos, junto com o delicado e espontâneo senso de humor.
Além das duas ótimas atuações mirins, Camila Márdila domina uma das mais bonitas cenas do filme, na qual conversa com sua avó sem que a mesma lembre de quem ela é. A atriz ficou conhecida por todo o Brasil há dez anos, em sua estreia com Que Horas Ela Volta?, também exibido no Festival de Gramado, e conversou com o Viver sobre retornar ao evento após tantos anos e trabalhos realizados. “Eu me considero uma atriz sempre em formação e à procura de contar novas histórias. A Natureza das Coisas Invisíveis é uma dessas. É um filme que toca em emoções muito genuínas através de uma sabedoria infantil que nos faz refletir de maneira bastante especial sobre temáticas muito duras”, conta Camila.
O filme teve consultoria de roteiro de Juliana Rojas (de Trabalhar Cansa e As Boas Maneiras), o que é perceptível nos flertes com o cinema fantástico a partir de uma proposta contemplativa e inocente. Rafaela Camelo elo afirma que, originalmente, o trabalho seria mais sombrio. “Fomos tirando esse assombramento que vinha de fora e trazendo apenas algumas ferramentas internalizadas das personagens, que basicamente estão buscando formas de lidar com aquele luto”, explica.
A cineasta defende ainda as variações de protagonismo no filme como uma escolha consciente. “No começo, tudo era muito voltado para as personagens da Glória e da Sofia, mas fui me dando o direito de abrir mais para explorar outras camadas da perda”, revela. “Acho que essa imprevisibilidade pode render algo muito rico”.

