Fotos, maquiagem, mochila escolar: pessoas desabrigadas mostram o que salvaram durante enchentes em Igarassu
Afetados pelas fortes chuvas em Igarassu, desabrigados levaram objetos afetivos para abrigo improvisado pela prefeitura
Publicado: 01/07/2025 às 16:48

Objetos revelam aspectos da história de cada pessoa desalojada pelas chuvas (Rafael Vieira/DP Foto)
Quando foi resgatada pelo marido, após uma visita inesperada do Rio Igarassu na sala de casa, Amanda Carolina da Silva, de 24 anos, disse que não ia sair sem tentar levar suas coisas. Improvisou um relicário num balde quebradiço e nele depositou documentos, algumas roupas e seu kit de maquiagem.
As fortes chuvas que assolaram Igarassu, no Grande Recife, no último final de semana, destruíram suas vestimentas, móveis e eletrodomésticos, obrigando Amanda a se mudar temporariamente para um abrigo improvisado pela prefeitura no Serviço de Convivência de seu bairro, o Loteamento Agamenon Magalhães.
No local, 21 pessoas seguem alojadas, nesta terça-feira (1), lidando com a incerteza da volta para suas casas, em geral esvaziadas e enxovalhadas pela água.
Para lá, também foram levados os objetos que conseguiram resgatar durante as enchentes. Cada um desses itens ajuda a reconstituir a história e a identidade dos desabrigados, lembrando da multiplicidade de experiências que os credenciam a ocupar categorias que vão além da de vítimas.
Objetos salvos
“Aprendi a me maquiar vendo vídeos na internet e com pessoas próximas. Gosto de me sentir bonita, mas não uso maquiagem todo dia, só em eventos de família, porque não gosto dessas festas do mundo”, diz Amanda.
Ela conheceu o marido, Natanailton Medeiros, que também está no alojamento, através de uma amiga. “A gente começou a morar junto há dois anos”, lembra.
Segundo conta, Natanailton viralizou nas redes sociais ao enfrentar uma enxurrada na tentativa de chegar em casa para socorrer Amanda no último sábado (28). “Rum! Pois meu marido salvou foi o cachorro. Saiu com o cachorro no braço e eu que fui atrás dele”, brinca outra mulher, abrigada no local, ao comentar a história.
São elas as responsáveis por dar forma, a partir de significados particulares, à pilha de doações recebidas pela prefeitura. Cuidadosamente, dividem as roupas por idade e gênero, determinando qual vestimenta melhor se adequa a cada uma e aos entes familiares que as acompanham no abrigo.
Enquanto escolhe novas roupas para os três filhos, a técnica de enfermagem Iasmin Borges conta que teve apenas 15 minutos para deixar sua casa, na Rua Rouxinol, durante a cheia do rio.
“Escutei um barulho, fui olhar e parecia uma onda gigante. Peguei minha neném, minha filha pegou um lençol, a mochila da escola, ‘tacou’ duas peças de roupa dentro e meu menino, desesperado, não pegou nada”, conta.
Memória
Há 30 anos moradora do bairro ribeirinho Cortegada, também em Igarassu, a artesã Patrícia Souza perdeu registros de sua infância e da formatura no curso de artesanato durante uma cheia em fevereiro deste ano. Cansada de conviver com a sucessivas enchentes, resolveu colocar suas fotografias em um pen drive, que conseguiu resgatar ao deixar sua casa às pressas novamente, no último domingo (30).
“É pior perder minha memória do que os bens materiais. Bens materiais a gente reconstrói”, lamenta. O convívio constante com inundações nas margens do rio, a fez criar estratégias para conservar seus objetos. “Geladeira e móveis meu marido suspendeu em um suporte. Meus documentos, eu já tinha deixado em um saco. O que perdi foi meu material de trabalho”, acrescenta.
Artista desde criança, Patrícia produz peças em crochê e lingeries. “Perdi também meu certificado de artesã e não tenho como resgatar, porque é muito antigo. A gente não vai mais voltar para essa casa, vamos tentar sair”, diz.
A família de Patrícia vivia no local há nove anos, quando seu marido ergueu o imóvel com as próprias mãos. “Era uma área verde, de mangue, em que a gente, pela necessidade, foi construindo casas. Não tinha outra opção de moradia. Muita gente quer ficar, mas nós queremos sair”, conclui.
A Prefeitura de Igarassu está recolhendo doações para as famílias desabrigadas, tanto de roupas quanto de alimentos não perecíveis. “Nosso município declarou emergência e criou alguns pontos de arrecadação. Os populares que quiserem ajudar podem levar os materiais para a sede da Guarda Municipal”, orienta o secretário de Comunicação do município, Alex Moriá.

