Drama peruano 'Redención', exibido no Cinesur, discute fé e hipocrisia
'Redención', dirigido por Miguel Barreda-Delgado, foi exibido na competição de longas sul-americanos do 3º Bonito Cinesur, no Mato Grosso do Sul
Publicado: 30/07/2025 às 15:00

Filme é o mais polêmico da Mostra Competitiva do 3º Bonito Cinesur (Divulgação)
Um casal participa de uma enfática oração em uma pequena igreja da sua comunidade, enquanto o pastor profere palavras de glória. Não demora para que o espectador perceba que marido (John R. Dávila) e esposa (Tatiana Astengo) vivem uma crise: com todas as tentativas viáveis, ela não consegue engravidar. O destino os surpreende quando ele encontra, caída e passando mal na rua, uma jovem da vizinhança (Lucero López Ponce) que, após aparecer grávida, é acolhida por ambos em sua casa, sob acordo de entregá-los a criança ao nascer.
Exibido na competição de longas-metragens sul-americanos do 3º Bonito Cinesur — Festival de Cinema Sul-Americano, Redención é dirigido e escrito pelo peruano Miguel Barreda-Delgado, cineasta pouco conhecido do público brasileiro, mas já com vários filmes no currículo, como Simon, El Gran Varón e La Cantera. Este, no entanto, com seus desdobramentos melodramáticos que flertam com a telenovela, é possivelmente aquele de mais fácil conexão com o público brasileiro, tanto pelas suas preocupações cinematográficas quanto temáticas.
Do ponto de vista da forma, o longa utiliza sempre o dispositivo do plano-contínuo: todas as cenas são filmadas sem cortes, recurso a que frequentemente os diretores recorrem para intensificar o realismo e aumentar a imersão na dramaturgia – ou, nos piores casos, para evidenciar um virtuosismo vaidoso, vazio. Para o bem e para o mal, Rendención não está em nenhum dos dois extremos.
Essa fotografia, que parece uma ‘entidade’ seguindo os personagens, possui algumas soluções interessantes no modo como apresenta a casa onde toda a história vai transcorrer, com uma iluminação que fica mais escassa e opressora à medida que o conflito e os dilemas avançam. A contrapartida é que não raramente a câmera se torna perceptível em demasia, direcionando sem sutilezas o olhar do público para os objetos e situações. O resultado, assim, sufoca a organicidade do texto e dos acontecimentos, que soam excessivamente planejados.
Já tematicamente, a fé utilizada por alguns como ferramenta para mascar diferentes tipos de violência está longe de ser uma discussão apenas sul-americana. Mas, em Redención, existem camadas pouco exploradas pelo roteiro que anceiam em vir à luz durante toda a projeção: uma de ordem de classe e outra de raça, já que a jovem acolhida pelo casal (interracial, diga-se) é uma moça negra e economicamente bem mais vulnerável do que eles.
O casal protagonista — destaque para a interpretação fervorosa de Tatiana Astengo — materializa bem esse tema, já que literalmente usam a jovem grávida por precisarem do seu corpo e, no momento em que ele se torna um problema, não tem qualquer dificuldade de descartá-lo. A trama infelizmente não tem estofo e coerência suficientes para sustentar essas discussões, apelando para elipses e omissões que mais prejudicam o drama do que o tornam complexo.
O que fica de verdadeiramente interessante na experiência do filme é o debate sobre o controle do corpo feminino travestido de defesa da vida. Entre os vários tópicos sensíveis comuns aos países latinos presentes nesta terceira edição do Cinesur, esse trazido pelos altos e baixos de Redención talvez tenha sido o que mais colocou o dedo na ferida.



